O Brasil deve bater o recorde anual de mortes por dengue em 2022. Até o boletim mais recente do Ministério da Saúde, de 5 de dezembro, foram 978 óbitos – número superior à soma dos dois anos anteriores. Desde que as epidemias do vírus ressurgiram no Brasil, na década de 1980, o recorde é de 2015, quando 986 pessoas morreram pela doença.
“Temos hoje o ano que ficará marcado na história da dengue no Brasil como o pior ano, seja no número de casos ou de óbitos. Muito provavelmente ultrapassaremos a marca de 1.000 mortes no país. Dengue mata: é a principal mensagem que se deve passar à população”, aponta ao R7 Alexandre Naime, vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).
Tão crítico é o cenário que a SBI emitiu, no mês passado, um alerta nacional devido aos altos números de mortes e casos – também próximos do recorde brasileiro.
“Que tenhamos urgência para a adoção medidas preventivas contra a dengue para alterar esse quadro preocupante para a saúde pública e que sejam ações efetivas a longo prazo, escreve o órgão.
Segundo Alexandre Naime, parte considerável desse aumento nos casos e mortes se deve à falta de medidas de prevenção em âmbitos federal, estaduais e municipais.
“Os últimos quatro anos foram marcados por ausência completa do governo federal em relação à campanha de esclarecimento sobre a epidemia”, pontua o médico infectologista.
Também por conta da pandemia, prossegue, se esvaziaram as ações de controle dos estados e municípios, como a vigilância, as visitas domiciliares, esclarecimentos à população e multas.
Naime prevê um horizonte nebuloso para o país em relação à dengue em 2023, caso não haja mudanças efetivas no combate à epidemia, e considera que o próximo governo federal, bem como os estaduais, deverá agir de forma muito célere para evitar que o problema se amplie.
“As chuvas e temporais estão acontecendo. Se não houver avanços no combate, não existe um outro cenário, senão de muitos casos e mortes para o começo de 2023. Esse ano tem tudo para ser pior que 2022: mais chuvas, um sorotipo novo. Por isso, o governo novo deve ser bastante efetivo e a vacina precisa ser avaliada. Já foi aprovada na Indonésia e na agência europeia [de saúde]. Seria uma arma importante aqui”, finaliza.
Entre as regiões que podem ser mais afetadas nos próximos anos, os especialistas ouvidos pela reportagem citam o litoral brasileiro, de modo geral, o Centro-Oeste, o Norte e, principalmente, o Nordeste.
Isso se deve ao aspecto cíclico da doença, já que a região não sofreu epidemias mais intensas recentemente – este ano, foi a quarta região menos atingida entre as cinco – e há uma nova variante em circulação, que ainda não atingiu os estados nordestinos.
“Devemos ter um número de casos maior porque faz muito tempo que não temos epidemia significativas dessa região. E as epidemias de dengue ocorrem em ciclos, mas nós temos que entender que o Brasil é muito grande para que os ciclos sempre se sincronizem”, lembra Maurício Nogueira, ex-presidente da SBV (Sociedade Brasileira de Virologia).
É impossível, porém, prever com exatidão onde o vírus terá maior incidência. “Não há bola de cristal para isso”, comenta o virologista.
Para além das regiões mais suscetíveis às epidemias de dengue, há um novo problema nos últimos anos: o aquecimento global faz com que o vírus chegue a locais que antes não sofriam com a doença.
Segundo relatório publicado pelo The Lancet em 2018, os aumentos de temperatura, mesmo quando pouco expressivos, e as chuvas podem expandir a incidência doenças de transmissão vetorial, como a causada pelo mosquito Aedes aegypti.
“Agora, o vírus está avançando por locais como Joinville e Blumenau, onde nunca tinha acontecido”, exemplifica Alexandre Naime.
Segundo os dados do Ministério da Saúde, com 88 óbitos, Santa Catarina foi o quarto estado onde mais morreram pessoas pela dengue em 2022, embora seja apenas o décimo mais populoso.
Os cuidados contra a dengue continuam os mesmos: evitar o acúmulo de água parada e lixo em quaisquer recipientes, dentro ou fora de casa, onde possa haver um criadouro do mosquito.
Como a grande maioria dos criadouros está em domicílios, a participação da população é essencial para barrar o avanço da doença.
Ao tomar ciência de pontos de foco em terrenos vizinhos, a população deve acionar a prefeitura de sua cidade ou qualquer órgão respectivo ao poder público local.
O virologista Marcos Vinícius Silva explica o ciclo virtuoso de combate à dengue: “Em regiões onde você tem menos acúmulo de água, diminui o número de criadouros. Se há um combate eficaz ao vetor, isso diminui muito número de casos de dengue. Isso é extremamente importante para que a gente reduza os casos.”
Procurado, o Ministério da Saúde disse que acompanha a situação epidemiológica da dengue no país e tem investido em ações de combate à doença junto aos estados e municípios.
A pasta afirma que lançou, em outubro deste ano, uma campanha de combate à dengue, zika e chikungunya, chamada "Todo dia é dia de combater o mosquito", além de oferecer treinamentos e cursos a equipes locais de acordo com suas especificidades.
“A pasta também envia aos estados, regularmente, inseticidas e larvicidas para o combate ao mosquito”, conclui o ministério.