BRASÍLIA — A Polícia Federal indiciou o governador de Mato Grosso do Sul Reinaldo Azambuja (PSDB) pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa no recebimento de propinas da JBS que totalizaram R$ 67 milhões e teriam provocado um prejuízo de R$ 209 milhões aos cofres públicos do estado. Procurado, o governador negou irregularidades e disse que recebeu a conclusão com "estranheza e indignação".
Aberto com base na delação premiada dos executivos do grupo J&F, o inquérito foi concluído pela PF no último dia 29 e também indicia o filho do governador, Rodrigo Souza e Silva, e outras 20 pessoas envolvidas no esquema. "Cabe destacar o papel de comando da organização criminosa exercido pelo governador Reinaldo Azambuja, seja diretamente, seja por intermédio de seu filho Rodrigo Souza e Silva", escreveu na conclusão do relatório o delegado Leandro Alves Ribeiro. A PF também destacou que a delação premiada dos executivos da J&F cumpriu sua finalidade e permitiu a obtenção de provas relevantes para o inquérito.
O relatório foi enviado ao ministro Félix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), relator do caso. A investigação foi conduzida pelo Serviço de Inquéritos Especiais (Sinq) da PF, responsável por casos envolvendo políticos com foro privilegiado. Agora, caberá à Procuradoria-Geral da República (PGR) decidir, com base nas provas obtidas, se apresenta denúncia contra Azambuja.
Após uma extensa investigação que incluiu a deflagração de busca e apreensão, batizada de Operação Vostok, quebras de sigilo bancário e dezenas de depoimentos, a PF obteve provas independentes que corroboraram a delação e apontaram que as propinas foram pagas por meio de dinheiro vivo, repasses da JBS a um frigorífico que gerava notas fiscais frias e, por último, por doações eleitorais oficiais, entre os anos de 2014 e 2016.
Segundo a investigação, o governador entregava pessoalmente à JBS as notas fiscais frias, que serviriam para dissimular os pagamentos de propina. "Somente nos dois anos iniciais do governo de Reinaldo Azambuja, a emissão das notas fiscais teria viabilizado o repasse de mais de R$ 40 milhões de vantagem indevida em seu benefício, superando, desse modo, sozinha, o somatório de pagamentos realizado através de entregas em espécie e por meio de doação eleitoral oficial", diz o relatório.
As operações financeiras usaram principalmente o frigorífico Buriti. A PF detectou que, após os pagamentos da JBS ao frigorífico, seguiam-se vultosos saques em dinheiro vivo e até mesmo repasses para contas de parentes do governador. Fiscalização do Ministério da Agricultura detectou que as operações eram fraudulentas.
O delegado da PF aponta que registros de viagem de um executivo da JBS, Valdir Aparecido Boni, corroboraram a informação de que ele ia até o Estado só para buscar as notas fiscais falsas que viabilizavam o repasse de propina. "Registre-se ainda a gravidade da participação direta do próprio Governador com a entrega dessas notas no seu segundo ano de Governo, conforme relato do executivo da JBS Valdir Aparecido Boni, corroborado por depoimentos de funcionários da JBS e por comprovantes de registros de passagens aéreas apresentados pelo colaborador, correspondentes às viagens que realizou de São Paulo/SP até aquela capital, com o fim específico de buscar as referidas notas fiscais", diz o relatório.
Boni relatou em seu depoimento que ele mesmo foi a Campo Grande diversas vezes, onde esteve no gabinete do governador, “para buscar as notas fiscais fraudulentas que lhe foram entregues em mãos pelo próprio Reinaldo Azambuja". A investigação também registros de telefonemas entre o filho do governador e um emissário responsável por receber o dinheiro da JBS, na véspera das entregas dos recursos.
Além disso, as entregas de dinheiro vivo a um emissário do governador foram feitas por meio de operações com supermercados do Rio e de São Paulo. Os detalhes foram fornecidos pelo empresário Wesley Batista em sua colaboração. "Wesley Batista esclareceu que foi repassado ao governador Reinaldo Azambuja, em espécie, o montante de R$ 12,1 milhões, por meio de entregas realizadas nas cidades de São Paulo/SP e Rio de Janeiro/RJ", diz o relatório.
Como contrapartida pelos pagamentos de propina, o governador teria concedido benefícios fiscais à JBS que permitiram ao grupo empresarial deixar de recolher aos cofres estaduais R$ 209 milhões em ICMS. Os termos do acordo com os benefícios fiscais foram assinados pelo próprio Azambuja, de acordo com os documentos obtidos na investigação. A propina paga corresponderia a aproximadamente 30% da renúncia dos valores a serem arrecadados.
"Oportuno destacar, que somados os valores pagos a título de vantagem indevida pela JBS a Reinaldo Azambuja, através das diversas modalidades de dissimulação evidenciadas anteriormente, inclusive considerando-se a doação eleitoral de 2014, o montante corresponde a R$ 67.791.309,00. Portanto, bem próximo do percentual de 30% do montante de crédito auferido pela JBS em razão dos acordos de benefícios fiscais mencionados", escreveu o delegado Leandro Ribeiro.
Delação contribuiu
Ao final do relatório, a PF considerou que a delação premiada dos executivos da J&F contribuiu "de forma efetiva" com as investigações. Em breve, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar um pedido da PGR para rescindir o acordo de delação de Joesley Batista, Wesley e outros colaboradores do grupo.
"Nesse sentido, é possível afirmar que as informações trazidas por Joesley Mendonça Batista, Wesley Mendonça Batista, Valdir Aparecido Boni, Demilton Antônio de Castro e Florisvaldo Caetano de Oliveira contribuíram de forma efetiva com as investigações abrangidas neste inquérito, quanto aos fatos relacionados ao governador do Estado do Mato Grosso do Sul Reinaldo Azambuja, bem como em relação aos demais investigados, tendo os colaboradores juntado documentos, quando solicitados, e respondido a todas as perguntas formuladas por esta autoridade policial, o que contribuiu para o indiciamento de 22 pessoas", escreveu o delegado.
A PF apontou ainda que a delação cumpriu com sua finalidade de "meio de obtenção de prova". "Dessa forma, reputo que os acordos de colaboração das pessoas indicadas neste capítulo, após submetidas ao processo de validação, cumpriram suas finalidades como meio de obtenção de prova e foram relevantes para o inquérito, permitindo maior eficácia na realização da investigação", diz o relatório.
'Estranheza e indignação'
Procurado por meio de sua assessoria de comunicação, Azambuja negou irregularidades e afirmou que recebeu com "estranheza e indignação" a conclusão do inquérito.
"Trata-se de denúncia antiga, baseada em delações premiadas sem qualquer credibilidade e provas, que vêm sofrendo, em casos diversos no país, inúmeros questionamentos judiciais quanto à sua procedência e consistência. Passados três anos de inquérito tramitando no STJ, não foi possível concluir ou ao menos indicar de que forma o governador teria praticado qualquer tipo de ilícito", diz a nota.
Prossegue o governador: "Desde a Operação Vostok, realizada de forma midiática e exorbitante, bem no meio da campanha eleitoral de 2018, não se conseguiu produzir uma única prova de que tenha recebido qualquer tipo de vantagem indevida da JBS. Neste caso, é importante pontuar que a própria empresa confessou que os termos de acordo para benefícios fiscais do Estado não estavam sendo cumpridos e aderiu a programas de recuperação fiscal, bem como efetuou o pagamento de valores devidos a título de imposto, de modo que não houve dano ao erário, nem tampouco qualquer ato de corrupção praticado".
Azambuja conclui dizendo que, perante a Justiça, "demonstrará a improcedência de todas as acusações a ele dirigidas".
Fonte: G1 MS Noticias